A peça inicia com uma atriz, Vera Finarelli, interpretada por Gracie Gianoukas, entrando num estúdio de gravação, com o objetivo de realizar teste para o papel de Dercy Gonçalves em um filme sobre a vida da mesma.
Conforme vai se apresentando, Vera se revolta contra o roteiro que lhe fora enviado. Considera-o raso para comentar sobre a vida de uma gigante da comédia brasileira.
A aspirante ao papel de protagonista vai se apresentando, e provando, a um homem (voz do ator Miguel Falabella), como estava bastante equivocado o roteirista quanto à imagem de Dercy Gonçalves.
A mãe da atriz Finarelli era grande fã de Dercy. Ela também era sua cabeleireira. Vera cresceu ouvindo falar na comediante. Contudo, nunca a encontrara pessoalmente, nem conheceu o verdadeiro ser humano, nascido Dolores Gonçalves Costa.
Vera, então, transformando-se em Dercy Gonçalves, começa a mostrar quem, realmente, foi essa mulher cuja marca foi a originalidade.
A atriz Grace Gianoukas é uma gigante. Atua com perfeição. Domina o palco e o texto. Faz muito bem a passagem da atriz Finarelli para a personagem Dercy.

Grace nos apresenta uma Dercy como ela era. Debochada, irônica, atrevida, ousada, espalhafatosa, que esculhambava, e falava o que queria. Não tinha papos na língua. E assim também procede Grace. Ela não imita. Interpreta. E, portanto, nos apresenta a sua Dercy, com originalidade e criatividade.
A dramaturgia é de Kiko Rieser, que também assina a direção. A produção teatral é uma homenagem a Dercy, mas não é biográfico. Não tem a intenção de narrar a vida da personagem do nascimento até a sua morte.
O texto apresenta as reviravoltas e rupturas que marcaram a trajetória de Dercy. Sua vida não foi fácil. Para ser a “grande” atriz, ela lutou, enfrentou preconceitos, o machismo da sociedade brasileira, a visão pejorativa sobre a figura feminina de ser atriz, mas resistiu. E venceu.
Dolores veio lá de Madalena, embarcou no “trem da esperança”, rumo ao Rio de Janeiro. Ao chegar por aqui, Dercy deu então início a sua vida de atriz. Começou no teatro de revista. Num segundo momento, ela ingressou na comédia. Passou pelos cassinos e cinema. E, por fim, a televisão, quando foi contratada pelo empresário Roberto Marinho para a TV Globo.
Acreditamos que a participação de Dercy no cinema e na televisão podia ter sido mais explorada pela dramaturgia. Ficou muito presa a sua atuação no teatro. Contudo, não desqualifica o texto, que foi muito bem redigido e passa a mensagem de forma clara e acessível.
Uma visão sobre Dercy Gonçalves que a dramaturgia busca desconstruir é aquela que a considera como vulgar, escrota, pouco afeita a família, desbocada. O autor argumenta que Dercy se casou; teve uma filha, por quem foi apaixonada; e os palavrões que ela dizia eram para divertir o público. Portanto, foi uma mulher decente, da família, e trabalhadora.

A trajetória de sucesso de Dercy é produto de longo processo de batalhas e conquistas. E, só venceu, porque ela é original. Portanto, a transformação de Dolores em Dercy não foi fácil!
Figurinos e cenários foram criados por Kleber Montanheiro.
O figurino usado por Grace é um vestido vermelho todo em paetê laminado, nem um pouco discreto. Usa peruca e um enfeite de penas amarelas.
O cenário é um estúdio de gravação, onde a atriz Finarelli foi realizar o teste.
A Iluminação de Aline Santini é bonita e adequada ao espetáculo.
O espetáculo é uma bonita homenagem a atriz e comediante Dercy Gonçalves, bem produzido, e com uma atuação perfeita da atriz Grace Gianoukas.
Excelente produção cultural!