A produção teatral é norteada pelo livro Necrochorume e Outros Contos, de autoria de João Ximenes Braga, que marca a estréia do escritor nos palcos teatrais. A peça, portanto, situa-se na interseção entre teatro e literatura.
O texto é composto por seis histórias curtas retiradas literalmente da obra supracitada. A companhia não faz uma adaptação ao pé da letra. O narrativo é mantido. Buscou-se fazer uma teatralização do texto literário. O texto do referido autor não foi escrito para a cena teatral. É um texto literário. Então, buscou-se a teatralidade ao encarar esse narrativo, essa figura épica.
Os seis contos que integram o texto nos apresentam retratos de um Brasil recente. Está inserido nos tempos em que vivemos de reconstrução, renascimento, reflexão, de compreensão dos males que afligem o nosso país. É um momento de recriação das bases estruturantes da nação. E, o espetáculo situa-se neste contexto, ao encenar histórias que presenciamos no nosso dia-a-dia cujos personagens são, sobretudo, personagens da classe média brasileira, branca, elitista, conservadora e retrógrada.
Como já informamos, o texto é composto por seis histórias curtas. Todas possuem um titulo.

- Urina
Um edifício de cinco andares e seus moradores. A cobertura tem um novo proprietário, o sr. Giovani, chefe de cozinha. Ele instalou uma jacuzzi, uma grande banheira de hidromassagem, fato que já causou polêmica. Nas reuniões do condomínio enviava a sua advogada. Mas o ápice da polêmica foi quando descobriram que Giovani era homossexual, e deu a festa do seu casamento gay na cobertura. Incomodou bastante! Os vizinhos também reclamavam dos gemidos noturnos no apartamento. Giovanni não agüentou tanta retaliação, que colocou o imóvel a venda, e se mudou para outro. Teve vizinho que estourou até champagne! O preconceito contra os homossexuais.
2- Café
Num bistrô, no Morumbi, em São Paulo, Clara senta para tomar um café. E escuta que em Paraisópolis, uma comunidade/favela, num baile funk, foram assassinados nove jovens negros. Ela tem um ataque de pânico. Violência contra jovens negros num espaço de intensa segregação social.
3- Whisky
Paulo mora com sua esposa Nilce no Jardim de Alah, no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro. Lhe incomoda todas as manhãs ver um morador de rua urinando próximo à sua janela. Ele se posiciona a favor da prefeitura recolher todos os moradores de rua e levá-los para um abrigo. O casal recebe a vista do filho, Daniel, que vem com a sua namorada Juliana. Ela é uma mulher preta. Paulo e Juliana entram numa discussão sobre ancestralidade e antepassado. Também discute-se sobre o casamento do jovem casal, em que Paulo considera mais viável ser no âmbito civil, e não religioso.
4- Esgoto
Narra a história de duas mulheres que residem no mesmo edifício, Sonia Maria e Isabela, e se aproximaram por causa de um vazamento de esgoto. A partir desse momento, elas se tornaram amigas. Contudo, a aproximação revelou o quanto diferente elas eram.
5- Asco
Conto sobre Isaías, que morreu atropelado por um caminhão de frete. Ele trabalhava para um deputado bolsonarista e tinha um cargo comissionado na ALERJ. O conto narrado relembra a ascensão da direita a partir do golpe contra a presidenta Dilma, e a chegada ao poder de Michel Temer, e a seguir, de Bolsonaro. Tempos sombrios! Pessoas asquerosas! Duros para a cultura! Insatisfação com o momento político do país.

6- Soro
Conto que se passa no mundo rural. Um casal é protegido numa fazenda pelos proprietários. Eles recebem moradia e alimentação, sobretudo soro de leite. Em troca trabalham, pegam na enxada, sem receber salário algum. São considerados como sendo da família. Contudo, após uma denúncia, os proprietários são intimados sob a acusação de estar praticando trabalho análogo à escravidão. Quem trabalha tem que receber. Como vai consumir se não recebe salário? Escravidão e capitalismo não são compatíveis. Escravidão e direitos humanos são incompatíveis.
As seis histórias têm como ponto em comum o humor crítico que as atravessa. Os valores da “pequena burguesia” brasileira são atacados com uma acidez feroz, uma vez que ela partilha conceitos racistas e misógenos que oprimem as minorias. Moradores de rua, de comunidades, gays, negros, indígenas, entre outros, são vítimas do olhar conservador desse segmento social. E denunciar essa opressão dos grupos excluídos é uma função que o teatro também deve exercer. Teatro é resistência!
O elenco é composto por treze atores competentíssimos. Todos estão ajustados e sintonizados. Não destacaremos este ou aquele. Pois todos se destacam e fazem o espetáculo acontecer de forma brilhante.
Os figurinos criados por Nello Marrese e utilizados pelo elenco são roupas do dia-a-dia, dominando os tons em branco e preto. Roupas utilizadas pelas classes médias que auxiliam a compreensão do texto.
A cenografia é simples composta por mesa e cadeira, e objetos como maquete de edifício.Nas laterais visualizamos “araras” de roupas, onde estão os figurinos vestidos pelo elenco
E, para finalizar, iremos comentar sobre uma figura pouco mencionada nas críticas teatrais, mas fundamental para o espetáculo acontecer: a assessoria de imprensa. É ela quem apresenta o release do espetáculo e o divulga para a imprensa e o público. E, para este espetáculo acontecer, as “dicas” valiosas da Cláudia Tisato foram importantes para convencer as pessoas a vir assistir a produção.
E a dica é: Vem! Excelente!
Texto crítico redigido por Alex Gonçalves Varela