A doce voz da versão em inglês de “Garota de Ipanema” nos disse adeus na última segunda-feira (05). Astrud Gilberto parte aos 83 anos de idade, nos deixando saudade, canções eternas que embalaram paixões e histórias de vida de muitos brasileiros; além de um grande e respeitável legado, que ajudou o Brasil a se consolidar no mercado de música internacional a partir da década de 1960.
Nascida em Salvador, Bahia em março de 1940, filha de mãe brasileira e pai alemão , Astrud mudou-se ainda bem criança para o Rio de Janeiro . Na infância já demonstrava interesse pela música, muito por influência de sua mãe, que cantava e tocava bandolim. Tinha o desejo de, assim como a mãe, se tornar uma cantora, porém sua personalidade tímida a impedia de soltar a voz. Na adolescência tinha uma amiga inseparável que lhe ajudou e incentivou como canto – ninguém menos que Nara Leão, que mais tarde lhe apresentaria à João Gilberto, de quem se tornaria esposa a partir de 1959.
A estreia nos palcos em 1960 e a ascensão internacional
Em maio deste ano, era realizado o 1° festival de bossa nova que se tem notícia no Brasil “Noite do Amor, Do Sorriso e Da Flor“, que contou com nomes como Elza Soares, Nana Caymmi e Nara Leão, todas em parceria com João Gilberto que na ocasião lançava seu segundo álbum. Nesse show, Astrud cantou “Brigas Nunca Mais” num dueto com João.
Ainda no início da década, o casal se muda para os E.U.A, com João Gilberto afim de explorar oportunidades com a crescente da música brasileira no exterior. Enquanto o cantor divulgava seu material, participou de gravações e conheceu novos parceiros – entre eles, o já famoso saxofonista Stan Getz, com quem o casal e também Tom Jobim mudaria os rumos da bossa nova no mercado de música internacional.
Da afirmação no Carnegie Hall até o topo das paradas de sucesso
Depois da icônica apresentação na famosa casa americana de espetáculos em 1963, que viraria um álbum memorável e que colocaria definitivamente a bossa nova no circuito internacional, a vida de Astrud mudaria radicalmente, tanto na carreira quanto no aspecto pessoal . O casamento com João Gilberto não ia bem e a relação já estava bastante deteriorada quando os dois decidiram que era o fim.
João voltou ao Brasil, enquanto Astrud optou por permanecer na América como filho. A essa altura Stan Getz já estava completamente seduzido pelo carisma e pela voz sensual da cantora e a convidou para excursionar com seu grupo. Durante uma turnê em 1964, os dois se envolveram num romance complicado, uma vez que Getz já era casado com Monica Getz. Muito se especulava na imprensa sobre a infidelidade de Stan, que estava completamente envolvido com Astrud. O biografo Donald Maggin costumava dizer que Astrud era a personificação do romance e do sensual, tanto para Getz, quanto para seu público. Era a cantora mais sexy e apaixonante de Nova Iorque aquela altura.
Chega o momento de independência como artista e de alçar voos mais altos na carreira
Nas apresentações ao lado de Stan Getz, Astrud atraia multidões aos cafés para conferir de perto todo o swing da artista brasileira junto a banda do famoso saxofonista. Apesar da repercussão positiva, os cachês pagos por Getz nem de longe eram o suficiente para a cantora se manter com um filho ainda criança longe de sua terra natal – motivo de constantes discussões entre eles . Na semana anterior ao natal de 1964, Astrud Gilberto deixa o grupo e também encerra seu romance com Stan. Os dois voltariam a se encontrar na entrega do Grammy por melhor álbum do ano em NYC, em 1965.
Daí em diante, foram oito discos lançados pela gravadora Verve. O primeiro deles “The Astrud Gilberto Álbum” lhe renderia uma indicação ao Grammy por melhor vocal feminino. A formação de estúdio traz João Donato ao piano e Antônio Carlos Jobim ao violão e faixas como “O Morro Não Tem Vez” e “Água de Beber“
Entre os grandes parceiros internacionais, destacam-se, além do próprio Getz, o grande pianista e arranjador Bill Evans, o cantor George Michael e, é claro – destacado inclusive por ela, a gravação de “Far Away ” com o lendário trompetista Chet Baker.
Espaço entre as estrelas do jazz da época e mágoa com a imprensa brasileira.
Além de ter que lidar com a taxação da imprensa local que a objetificava , Atrud também tinha que ver a imprensa de seus próprio país de origem menosprezando seu talento e capacidade, alegando que a cantora apenas estava no lugar certo na hora certa. É claro que esse fato causou grande mágoa à Astrud , fazendo com que a cantora, depois de 1965 nunca mas viesse se apresentar no Brasil. Nem mesmo na abertura das olimpíadas do Rio, em 2016, quando “Garota de Ipanema” foi executada, ela fez questão de aparecer. Uma mágoa legítima por uma mídia local que sempre teve o hábito de desdenhar, preterir e boicotar os verdadeiros talentos brasileiros.
Verdade mesmo é que independente do devido respeito e reconhecimento não conquistado na íntegra em sua terra natal, Astrud Gilberto, uma menina tímida que saiu do nordeste brasileiro, conquistou seu espaço no Hall da Fama da música mundial e fez parte de uma das cenas mais interessantes do jazz americano, com uma contribuição de relevância rica e incontestável nesse legado que também fica em nome do Brasil.
Texto e Pesquisa: Salvador Razogh