Chico Vartulli – Hola! Você é do México. Onde você nasceu? Filiação? Como foi a sua infância? Primeiros estudos?
Sr. Héctor Valezzi – Eu nasci na Cidade do México, em 1957, e tive uma infância muito feliz, típica da classe média mexicana. Brinquei muito nas ruas, quando a cidade tinha bondes e quase não havia trânsito. Nas férias, nós jogávamos futebol na rua, às vezes até às 11 horas da noite! E todos éramos amigos. Eu vivi para ver a construção do metrô, os jogos olímpicos de 1968 e a copa do Mundo de 1970, quando o Brasil ganhou o tricampeonato com aquele time maravilhoso.
Nós morávamos em um apartamento alugado, e quando completei 10 anos, meu pai comprou uma pequena casa. Não víamos muita televisão, apesar de que eu me lembro de quando conseguimos nossa primeira televisão em cores para ver os jogos olímpicos. Nós viajámos de férias para Acapulco uma vez por ano. Meu pai era funcionário da companhia telefônica e minha mãe era dona de casa, muito tradicional. Tenho três irmãs, que foram um grande apoio ao longo da minha vida e minha carreira profissional.
Chico Vartulli – Qual é a sua formação?
Sr. Héctor Valezzi – Sou licenciado em Direito. Fiz um curso de relações internacionais na Noruega por um ano, como bolsista. Muito tempo depois a chancelaria me comissionou no Colégio de Defesa Nacional, também durante um ano, para cursar mestrado em Segurança Nacional. No entanto, minha formação principal, embora não acadêmica, foi dentro da chanceleria, na qual ingressei em 1980. Foi lá onde aprendi quase tudo o que eu sei.
Chico Vartulli – Como se deu o seu ingresso na carreira diplomática? Quais os países em que você já exerceu a função de Cônsul?
Sr. Héctor Valezzi – Meu ingresso na carreira diplomática foi em julho de 1981, por meio de concurso público. Meu primeiro cargo foi em Brasília, de 1984 a 1988, onde cheguei recém-casado e onde nasceu minha filha Carolina, em 1988. Foi um grande aprendizado conhecer o funcionamento do Itamaraty e ser testemunha da transição do Brasil para a democracia. Foi uma época muito bonita para mim, em que os brasileiros, cheios de otimismo e alegria, garantiram a transição para a democracia. Houve uma grande leva de artistas, principalmente na música, que disfrutei muito. Vi a Sapucaí na sua segunda edição para presenciar o grande carnaval carioca e o clube Monte Líbano para ver o carnaval de salão. Ainda me lembro do enredo da Mangueira de 1985. Foi inesquecível (Foi sobre Chiquinha Gonzaga). Também viajei e conheci vários cantos desse país lindo.
De Brasília fui designado para Washington, D.C., e posteriormente para Nova Deli, na Índia, já como número dois da embaixada. Nos Estados Unidos, é muito interessante conhecer o funcionamento das instituições, principalmente do Congresso. Na Índia, descobri a complexidade de ser a maior democracia do mundo e como as eleições não são realizadas em um dia, mas em várias semanas, pelo alto número de eleitores indianos.
Depois, fui subchefe de Protocolo no México, participando em várias dezenas de visitas de chefes de estado. No término desta missão, fui transferido para a Bélgica, onde fui o número dois da embaixada. Na Cidade de Bruxelas conheci e admirei muito o trabalho da Comissão Europeia e como seus estados membros solucionam suas diferenças. Fiz parte da equipe negociadora do acordo do México com a União Europeia, que foi uma das etapas mais interessantes que já tive.
Retornei ao México como chefe de equipe de toda a chancelaria e do Serviço Exterior, e vivi os anos mais desafiadores da minha carreira professional. Posteriormente fui para a França, onde também fui o número dois da embaixada. Conhecer e viver a cultura francesa é um privilégio que tive e valorizo muitíssimo. Regressei ao México para ser diretor geral da África e do Oriente Médio, cargo este muito interessante e que me permitiu espreitar e descobrir a África.
Em 2007, tive o privilégio de inaugurar a embaixada do México na Etiópia e a União Africana, que foi meu primeiro cargo como embaixador, concorrente em Djibouti. Vi de perto a Comissão Africana se fortalecer cada vez mais em prol dos seus estados membros.
Depois fui nomeado embaixador na África do Sul, concomitante a outros dez países do sul do continente. No total, passei oito anos da minha vida na África e tive a oportunidade de visitar mais de vinte países desse continente fascinante.
Em 2015, fui nomeado embaixador do México na Bolívia, país muito próximo do México, e desde 2019 sou cônsul geral no Rio de Janeiro.
Fico muito feliz em poder contar que, ao longo da minha carreira, fiz boas amizades com meus colegas brasileiros, sem nenhuma exceção.

Chico Vartulli – No exercício da função de cônsul, quais são os seus objetivos? O que você deseja alcançar?
Sr. Héctor Valezzi – Nosso objetivo principal é oferecer um bom serviço, que os mexicanos que vêm até a nossa sede se sintam bem atendidos, e também os brasileiros e pessoas de qualquer outra nacionalidade. Ter uma boa relação com a comunidade mexicana é fundamental, assim como captar oportunidades para estreitar a relação do Brasil com o México em todos os âmbitos: acadêmico, comercial, cultural, etc. Sempre tive a excelência como objetivo geral do meu trabalho, sem necessariamente quantificar os resultados.
Chico Vartulli – De que forma o Rio de Janeiro tem contribuído para sua missão de cônsul geral?
Sr. Héctor Valezzi – Devo dizer que nunca havia sido cônsul, pois sempre estive em embaixadas. Foi uma grande vantagem para mim já ter conhecido o Brasil previamente e estou não só contente como também satisfeito de morar nesta Cidade Maravilhosa. Felizmente, conto com uma equipe de trabalho realmente excepcional e posso afirmar que sou alguém que não tem problemas, algo nem sempre fácil de se conquistar.
Chico Vartulli – Festejar a data nacional no museu do amanhã teve muita criatividade. Pode nos falar um pouco do evento?
Todo ano tratamos de festejar nossa festa nacional em diferentes cenários da cidade. Este ano temos o privilégio de fazê-lo no Museu do Amanhã. É um museu com uma arquitetura excepcional e que apresenta também exposições maravilhosas; um museu que ninguém deve perder, e visitá-lo é uma experiência muito agradável.
Sr. Héctor Valezzi – No México a população comemora a data com festa entre familiares e amigos, com música, comida saborosa e uma boa tequila.
Nossa celebração inclui uma breve cerimônia, chamada “O Grito de Independência”, em que o presidente, governadores, prefeitos, embaixadores e cônsules gritam o que foi o início da nossa luta pela liberdade; é interessante e é um costume mexicano desde meados do século XIX.
Chico Vartulli – A conquista espanhola foi marcada pela violência contra os nativos. Os astecas tiveram a sua civilização destruída. Como o México tem elaborado políticas para tratar dos povos indígenas?
Sr. Héctor Valezzi – Com respeito a essa parte da nossa história, gosto de recordar uma frase lavrada em pedra em Tlatelolco, um bairro ao norte da cidade do México, que diz o seguinte:
“No dia 13 de agosto de 1521, heroicamente defendida por Cuauhtémoc, Tlatelolco caiu em poder de Hernán Cortés. Não foi triunfo nem derrota. Foi o doloroso nascimento do povo mestiço, que é o México de hoje”.
10% da população mexicana pertence aos povos originários, e 80% são mestiços. Há até aproximadamente 30 anos, o Governo mexicano considerava os mexicanos por igual. No entanto, a partir de 1994, mediante reformas constitucionais, se reconheceu a diversidade da população mexicana, o que ajudou a reafirmar nossa nacionalidade dentro da diversidade.

Chico Vartulli – No seu ponto de vista, quais as características do povo brasileiro que se aproximam da dos mexicanos?
Sr. Héctor Valezzi – Bom, eu diria, em primeiro lugar, que a principal característica que temos em comum é que somos latinos, e que nossas línguas têm uma origem comum a ambos. Além disso, a maioria dos brasileiros e mexicanos são católicos. Também compartilhamos a mesma referência geográfica, pois somos americanos.
Tivemos em boa parte histórias paralelas, como ter vivido o colonialismo e nossos processos de independência ao mesmo tempo. Caímos na modernidade mais ou menos da mesma maneira e enfrentamos desafios comuns.
Nossos povos são alegres e aproveitamos a vida. Gostamos de música e festa, embora os mexicanos possam ser um pouco más dramáticos. Mas, acredito eu, que a principal característica é que nós gostamos de maneira recíproca.
Chico Vartulli – O Museu de Antropologia do México é um dos mais importantes do mundo. Qual é a importância dessa instituição para a vida cultural mexicana?
Sr. Héctor Valezzi – É um museu muito importante que, inaugurado em 1964, abriga as peças mais representativas da arqueologia mexicana, e que inclui suas principais culturas: Asteca, Maia, Olmeca e Tolteca. Mas, ao mesmo tempo, é um museu de História, que mostra quem foram os povoadores do nosso território desde a pré-história até os dias atuais.
É um museu visitado por turistas, por estudantes e pelos mexicanos em geral. O museu é sede também da Escola Nacional de Antropologia. O museu é uma instituição na qual todos os mexicanos se identificam como tal, mostra nossa identidade, nos diz quem fomos, quem somos e por quê somos assim.
Chico Vartulli – Quais são seus projetos futuros para divulgar o México nos próximos anos?
Sr. Héctor Valezzi – Em um mundo que muda constantemente, e não somente o mundo, mas nossos próprios países, nossas instituições e nossas famílias, não é fácil fazer um planejamento para o futuro de tão longo prazo.
Meu projeto é seguir trabalhando mais alguns anos antes de decidir quando dar por concluída a minha carreira, da maneira mais satisfatória possível, e de decidir o que farei depois. É entusiasmante ter ainda decisões importantes a tomar.